04/06/11

Pátria



"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias; Um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai;

Uma grande parte da burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (!) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos [...]

A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, [...] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero;

Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante - o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado aos mais orgulhosos e mais fortes abrir caminho nesta porcaria sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários;"

Guerra Junqueiro
in "Pátria"
Chardron, Porto, 1896
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