06/01/13

Lusitânia Lux






Por que não podia luzir a luz de Santo António entre portugueses? Nenhuma terra há entre todas as do mundo que mais se oponha à luz que a Lusitânia. A mais nefasta etimologia de Lusitânia. Onde vão parar os heróis de Portugal depois que voltam à pátria? As fortunas e influências do fatal nascimento dos grandes portugueses retratadas ao vivo nas visões de Patmos. Portugal definido pelos exploradores que foram descobrir e informar-se da Terra de Promissão.


Sic luceat lux vestra coram hominibus: ut videant opera vestra bona et glorificent Pairem vestrum, qui in caelis est (Mt. 5, 16). - De tal modo há de luzir a vossa luz diante dos homens, que vejam eles as vossas boas obras, e glorifiquem a Deus. - Isto é o que diz Cristo a Santo António. E isto não o podia fazer um português entre portugueses. A primeira coisa que se lhe encarrega nestas palavras, é que há de luzir a sua luz: Sic luceat lux vestra - e luzir português entre portugueses, e, muito menos, luzir com a sua luz, é coisa muito dificultosa na nossa terra. Com a luz alheia vi eu lá luzir alguns; mas com a própria: lux vestra - nem Santo Antônio, quanto mais os outros.
Toda a terra - porque toda é tocada deste vício - tem oposição com a luz. A lua, quem a eclipsa? A terra, porque chegam lá as suas sombras. E o sol, onde não chegam as sombras da terra, quem o escurece e encobre cada hora a nossos olhos? Também a terra. Levanta o sol com seus raios os vapores da terra, e esses mesmos vapores que ele levantou, condensando-se em nuvens, são os que o não deixam luzir. Tomam em si os resplendores do mesmo sol, e, dourando-se com eles, ou o escurecem de todo, ou no-lo tiram dos olhos. Preze-se, ou não se preze o sol de escurecer as estrelas do céu, que lá estão os vapores da terra, que o escurecerão a ele.


Sendo esta a condição natural de toda a terra, como grosseira, enfim, rude e opaca, e nascida debaixo das trevas: Terra erat inanis et vacua, et tenebrae erant super fatiem abyssi - nenhuma terra há, contudo, entre todas as do mundo, que mais se oponha à luz que a Lusitânia. Outra etimologia lhe dei eu no sermão passado; mas, como há vocábulos que admitem muitas derivações, e alguns que significam por antífrase o contrário do que soam, assim o entendo deste nome, posto que tão luzido. O mundo, dizem os gramáticos que se chama mundo quia minime mundus - e a morte Parca, quia nemini parcit. - E assim como o mundo se chama mundo, porque é imundo, e a morte se chama Parca, porque a ninguém perdoa, assim a nossa terra se pode chamar Lusitânia, porque a ninguém deixa luzir. [...]


Vede agora se tinha razão para dizer, que é natureza ou má condição da nossa Lusitânia não poder consentir que luzam os que nascem nela. E vede também se podia Santo António deixar de deixar a pátria, sendo filho de uma terra onde se não consente o luzir, e tendo-lhe mandado Cristo que luzisse: Sic luceat lux vestra.


António Vieira


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