14/12/09

Pessoa e o anticlericalismo



O iluminado júri do jornal expresso acabou de atribuir o prémio Pessoa 2009 ao bispo do Porto, Manuel Clemente!

E assim, de uma assentada, se desacreditou o mais valioso prémio português e, sobretudo, se insulta a memória de Fernando Pessoa que este prémio supostamente pretende homenagear!

Pessoa revela em toda a sua obra uma profunda espiritualidade e interesse por todas as formas de relacionamento com o mistério da existência humana e cada heterónimo representa uma faceta das múltiplas formas e possibilidades de relacionamento com o sagrado. No entanto a caracteristica fundamental do seu complexo pensamento e que a multiplicidade de visões da heteronímia confirma é a recusa intransigente de qualquer dogmatismo, estando por isso nos antípodas de qualquer religião oficial, a que sempre se opôs.

Como escreveu na sua (célebre?) nota biográfica de 30 de Março de 1935, Fernando Pessoa considerava-se: "Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas e, sobretudo, à igreja de Roma."

Sobre Fátima escreveu também em 1935: ”(...) Há em Portugal um lugar que pode concorrer e vantajosamente com Lourdes. Há curas maravilhosas, a preços mais em conta. O negócio da religião a retalho, no que diz respeito à Loja de Fátima, tem tomado grande incremento, com manifesto gaudio místico da parte dos hoteis, estalagens e outro comércio d’esses jeitos – o que, aliás, está plenamente de acordo com o Evangelho, embora os católicos não usem lê-lo – não vão eles lembrar-se de o seguir!"

Num outro texto editado por Teresa Rita Lopes em "Pessoa por conhecer - Textos para um novo mapa" escreve: "Se, como sociólogos, sabemos que qualquer civilização precisa de uma fé para viver, igualmente, como sociólogos, vemos que a fé cristã não é - ela mesma decadente - a que deve existir hoje. A sua decadência o indica. Portanto, fazemos trabalho salutar destruindo-a. Os povos construirão a fé que se lhe seguirá. D'isso não curemos nós; (...)
O papel individual é destruir; o papel social é construir. Ataquemos pois o que sabemos velho, podre e decadente. A sociedade edificará depois o que haverá de lhe seguir. Destruir implica, socialmente, construir. Destruindo o velho, damos lugar ao novo, seja ele o que for. - É por isso que, sabendo nós que, actualmente, o c[ristianismo] é o velho, o decadente, a esterilidade e o inutil - nós, conquanto não saibamos claramente, nem nitidamente prevejamos o que se lhe seguirá, temos ainda assim a consciência de que, atacando o c[ristianismo] trabalhamos pela nova fé; que desviando [?] e tirando os escombros, preparamos o terreno para o edificio novo(...)"

Outro exemplo da sua visão sobre a igreja é este poema satírico:

“Há um método infalível
Conquanto pareça incrível
De sempre ter a verdade...
É ouvir um padre ou frade.
O critério não é vário:
É sempre certo - o contrário.”

Ou ainda, pela mão de Álvaro de Campos:
“Deus é um conceito económico. À sua sombra fazem a sua burocracia metafísica os padres de todas as religiões.”

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